O que é Margarina?

Ingredientes: Margarina
Foto: Mattie Hagedorn | Creative Commons

De tempos em tempos surge no Facebook informações não tão confiáveis sobre alimentação. Lembram da história do pimentão macho e fêmea? Então, a onda da vez é a margarina.

Antes de qualquer coisa, particularmente, não faço o consumo de margarina. Prefiro manteiga, sem dúvida. Se você não gosta, tudo bem. Se você gosta, tudo bem também. Independente do que prefere consumir, em ambos os casos: equilíbrio é a chave, ou seja, não coma em excesso e tá joia.

Pode parecer uma pergunta simples e até corriqueira, mas afinal o que é margarina?

O que é Margarina?

No Brasil, a Instrução normativa 66/2019 do Ministério da Agricultura define:

Produto com teor de gordura mínimo de 10% e máximo de 90%, em forma de emulsão estável plástica ou fluida, principalmente do tipo água em óleo (A/O), composto por água, óleos ou gorduras de origem animal ou vegetal, podendo ser adicionado de outros ingredientes;

A definição dada pelo FDA (Food and Drug Administration) é bem similar, mas a principal diferença é que a margarina americana deve ter pelo menos 80% de gordura, enquanto a brasileira o mínimo é 10%.

É uma emulsão, ou seja, a mistura de substâncias que normalmente não se misturam. No caso, é água em óleo/gordura. A manteiga também é uma emulsão.

Margarina tem origem francesa

O desenvolvimento da margarina é creditado ao químico Hippolyte Mège-Mouriès (em meados de 1868-1869) ao misturar gordura de animal com leite sob agitação (churning), basicamente. O processo é um pouco mais complexo, mas a essência é isso.

Na época da sua invenção acreditou-se que era constituída de ácido margárico. Um tipo de ácido graxo com uma estrutura bem grande formada por 17 carbonos, descoberto por Michel Eugène Chevreul anos antes. O que a gente chama de “gordura” ou lipídeos é formado por vários ácidos graxos.

Mas com os avanços da Ciência e da tecnologia foi visto que a margarina era na verdade uma mistura de ácido palmitíco (desconhecido anteriormente) e esteárico que são outros tipos de ácidos graxos bem comuns.

No caso da margarina a motivação veio do governo francês, Napoleão III (este é o sobrinho do original) queria uma alternativa para servir como alimento mais barato para as forças armadas e a população pobre. Hippolyte Mège-Mouriès foi quem conseguiu criar um produto com as características desejadas de consistência, sabor e preço.

A margarina e gordura vegetal hidrogenada compartilham bastante a sua história. A busca de produtos para substituir a manteiga e banha de animais (boi e porco) sempre existiu. Seja por motivos econômicos ou de mercado.

Em meados do séculos XIX e XX aconteceu a invenção da gordura vegetal hidrogenada e das técnicas de refinamento/purificação de óleos vegetais. Aumentando as possibilidade de uso do produto.

A popularidade aumentou também por causa da História e mudanças na formulação (uso de óleo vegetal), durante a grande depressão americana (década 30) e a 2º Guerra Mundial por causa da falta de suprimentos e racionamento. Sem falar do marketing, era vendido como algo saudável por não tem colesterol diferente da manteiga. Afinal, óleo vegetal não tem colesterol.

Propagandas como esta eram bem comuns.

1973 Food Ad, Promise Margarine
Exemplo de uma propaganda de margarina em 1973 (Reprodução)

As formulações variam de acordo com o fabricante. Mas geralmente é uma mistura de óleos vegetais hidrogenados e/ou interesterificados (manipulação da estrutura química), água e emulsificantes. Podem entrar outros ingredientes como vitaminas.

O que é Gordura Vegetal Hidrogenada?

Gordura Vegetal Hidrogenad
Crisco: uma das marcas mais antigas de gordura vegetal hidrogenada

Acontece, na essência, a transformação de um óleo (líquido) para o estado semi ou sólido. Isto é feito modificando a estrutura química original do óleo utilizando hidrogênio. O processo pode produzir as famosas gorduras trans, mas com maior controle das etapas e técnicas mais modernas é possível diminuir a produção delas.

Disse que a gordura hidrogenada e margarina andam juntas, pois são feitas com a mesma matéria-prima. Possuem diferenças, mas foram desenvolvidas como substitutos de outras gorduras mais caras. E hoje esta relação ainda existe, margarina é mais barata que manteiga.

Em inglês, a gordura hidrogenada é chamada de shortening por causa da sua interação com os outros ingredientes. A gordura tem a capacidade de lubrificar, enfraquecer ou quebrar/diminuir a estrutura dos outros componentes da comida para atingir a característica desejada.

A massa de torta bem amanteigada (ou gordura vegetal) tem aquela textura quebradiça e fácil de comer justamente por causa da gordura. Ela interferiu na interação do glúten que nesse caso não seria interessante que fosse muito trabalhado.

Gordura trans

Em meados de junho (2015), o FDA mudou as suas diretrizes e não classifica mais a gordura trans como segura para o consumo humano. Justifica a mudança devido aos indícios que ligam este tipo de gordura com doenças no coração.

Nos próximos três anos a indústria deve remover de suas formulações as gorduras trans artificiais. Lembrando: elas ocorrem naturalmente em alguns animais, como boi e vaca. Logo, os produtos derivados destes animais contém a gordura também.

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O que é Gordura Interesterificada?

É um processo que acontece entre gorduras e óleos vegetais para alterar a estrutura das moléculas do triacilglicerol: é formado por uma molécula de gligerol com três moléculas de ácidos graxos. Para promover essa mudança pode ser usado enzimas e/ou catalizadores.

Ao trocar a ordem dos ácidos graxos presentes no triacilglicerol, você muda as características e propriedades da gordura em si. Esse processo está sendo mais usado que a hidrogenação para evitar a produção de gordura trans.

Como é usada a Margarina?

A utilização é bem vasta. Onde se usa manteiga, tecnicamente, poderia ser substituída. Você e eu consumimos isso querendo ou não. Seja em salgados, doces e principalmente em folhados. Aqui no Brasil, dificilmente, massa folhada é feita com manteiga por vários motivos. Seja econômico (o principal), tecnológico (diferenças no teor de gordura entre as marcas) e climático (aqui é muito quente).

Para quem já visitou lojas grandes de confeitaria ou panificação já viu estes tipos de margarinas específicas para folhados fermentados ou não. E no caso de gordura vegetal hidrogenada: frituras. Novamente, dificilmente porções fritas usam óleo. Elas não queimam tão fácil e auxiliam na textura do produto final.

Tanto uma quanto outra é uma alternativa para quem segue uma dieta vegetariana ou vegana, quando os produtos não são feitos com ingredientes de origem animal.

Atualmente, há uma transição da gordura vegetal hidrogenada pela gordura vegetal de palma que possui as características desejadas para muitos produtos. E creio que o cenário deverá mudar bastante nos próximo anos por causa das mudanças do FDA.

[Video: AsapSCIENCE – Butter vs Margarine]

Muito Longo; Não Li

  • É mais velha do que você e eu juntos! Nasceu em meados de 1860!
  • É de origem francesa.
  • Não, não foi criada para engorda de animais.
  • Mas para as forças armadas e população pobre da França.
  • Pode ser feita com gordura de origem animal e/ou vegetal.
  • Não é, necessariamente, vegetariana e/ou vegana. Pode ser, se for feita sem ingredientes de origem animal.
  • Formulação original modificada nos EUA por causa da depressão americana e guerra (racionamento e falta de suprimentos).
  • As indústrias americanas terão que alterar a formulação para remover a gordura trans artificial. O órgão FDA deu prazo de 3 anos para a transição, começando em 2015.
  • Existe gordura trans natural em animais (boi e vaca) e algumas plantas.
  • Tanto margarina e gordura vegetal hidrogenada está presente em vários produtos que consumimos.

Bibliografia

  • DAMODARAN, S.; PARKIN, Kirk L. ; FENNEMA, Owen R. Fennema’s Food Chemistry, Fourth Edition (Food Science and Technology). New York: 2008. (Português)
  • McGEE, Harold. On food and cooking: the science an lore of the kitchen. New York: Scribner, 2004. (Português | Inglês)
  • AKOH, Casimir C.; MIN, David B. Food Lipids: chemistry, nutrition and biotechnology. New York: Marcel Dekker, Inc., 2002
  • SIMPSON, Benjamin K. et al. Food Biochemistry and Food Processing. Hoboken: Wiley, 2012.
  • BELITZ, H.D.; GROSCH, W. Food Chemistry, Fourth Edition. Springer, 2009.
  • CAVENDISH, Thaís Araújo et al . Composição de ácidos graxos de margarinas à base de gordura hidrogenada ou interesterificada. Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, v.30, n.1, p. 138-142, Mar.2010.
  • GHOTRA, Baljit S.; DYAL, Sandra D.; NARINE, Suresh S. Lipid shortenings: a review. Food Research International, v. 35, issue 10, 2002, p. 1015-1048.
  • CLARK, Paul. The Marketing of Margarine. European Journal of Marketing, Vol. 20 Iss 5 pp. 52-65, 1986.
  • MAPA: Instrução Normativa nº 66, de 10 de dezembro de 2019. Regulamento técnico de identidade e qualidade de margarina.
  • MAPA: Portaria n. 372, de 04 de setembro de 1997. Regulamento técnico de identidade e qualidade de margarina.
  • FDA: Title 21: Food And Drugs – Chapter I – Food And Drug Administration – Food For Human Consumption: Margarine.
  • FDA: Requirements for Specific Standardized Margarine (Title 21, Volume 2, Revised as of April 1, 2018; CITE: 21CFR166.110)
  • FDA: FDA Cuts Trans Fat in Processed Foods.
  • AOCS: Giants of the Past – Hippolyte Mège (1817-1880) and Margarine
  • AOCS: Giants of the Past – Michel Eugène Chevreul (1786-1889)
Vitor Hugo

Mestre em Ciência de Alimento, Farmacêutico-Bioquímico e Gastrônomo. Atua como Produtor Gastronômico e Comunicador de Ciência. Criou o PratoFundo para ser o portfólio de gastronomia e ciência.

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17 Comentários (Deixe o seu!)
  1. Tâmara Moreira:

    Obrigada pelas informações. Não uso margarina há muitos anos e estou tirando os ultraprocessados da minha vida.

  2. Luciana Alessio:

    Li tudo! mto boa a explicação
    !

  3. Paula Ramos:

    E sobre os componentes nocivos que tanto estão comentando na rede como soda cáustica e outros? Eles realmente estão presentes na margarina?

    1. Vitor Hugo:

      Soda cáustica (hidróxido de sódio) pode causar dano se usada de modo errado, afinal, é uma base com alto potencial corrosivo. Nocivo, depende de como é usado. Por exemplo, para azeitona se tornar comestível precisa ser curada. Este processo é feito com hidróxido de sódio.

      E não, na magrina não tem hidróxio de sódio. Caso tivesse, iria virar sabão e não margarina.

  4. MANOELA:

    Você sabe se no Brasil existe alguma obrigação de mudança relacionada à gordura trans, como nos EUA?

    1. Vitor Hugo:

      Por enquanto não há nada sobre isso no Brasil, porém provavelmente será copiado também.

  5. Toru:

    O que difere a nossa manteiga da manteiga americana ou européia?

    1. Vitor Hugo:

      Vários fatores, como o tipo do rebanho leiteiro e manejo. Mas uma das principais é o teor de água, geralmente, as europeias (francesas) tem menos água e mais gordura.

  6. Renata:

    Fico imaginando o lobby e as propinas que as indústrias alimentícias pagaram para não ser mais obrigatório usar a palavra HIDROGENADA junto a “gordura vegetal”.

    1. Vitor Hugo:

      Alegações pesadas! Mas vale lembrar que nem toda gordura vegetal é hidrogenada. Ela pode ser interesterificada (outro processo), pode ser também de plantas (como palma) que a gordura já é naturalmente semi-sólida. E pelos meus anos de leitura de embalagens, sempre houve a indicação de qual tipo se é hidrogenada ou interesterificada.

  7. Cassis @Cozinha Legal:

    Excelente texto, Vitor! Parabéns. Por aqui aboli a margarina faz muito tempo, o sabor da manteiga é inigualável.
    Sobre preço, aqui tem um mercado que vende pote de 500gr por R$8,90 enquanto no outro não sai por menos de R$14,00. Essas coisas gosto de comprar em atacadista, sempre é mais barato.

    Beijos.

  8. Daniela:

    Sobre margarinas sem ingredientes de origem animal: no Brasil, apenas 1 (UMA) marca não contém leite e/ou derivados na sua composição, que é a Becel. Todas as outras marcas contém leite, soro de leite, caseína, leite em pó ou algo do tipo. Fiz dieta sem leite e sem soja há algum tempo e é a única marca segura disponível em grandes mercados, inclusive li todos os rótulos… E curiosamente é a margarina menos saborosa do mercado, me pergunto se é a fórmula em si ou a falta dos derivados do leite.

    1. Vitor Hugo:

      Com toda certeza é a falta dos derivados de leite! Querendo ou não, eles ajudam no sabor final do produto. Os óleos vegetais usados, geralmente, são refinado e purificados para ficarem bem neutros em relação ao sabor/aroma.

      1. thais:

        è verdade que tem soda caustica e acido sulfurico ?

  9. Fabiana:

    Kkkkkk… adorei quando fui descendo a página e achei o “muito longo, não li” demaaaaaaaaais!!!

  10. Vanessa:

    Eu queria só usar manteiga. Mas tá difícil pro meu bolso

    1. Vitor Hugo:

      Nem me fala… e o preço só aumenta! :/