Documentário “Em Defesa da Comida” de Michael Pollan

https://youtu.be/DIW4HJa_gFU

[Trailer: Em Defesa da Comida (Em inglês)]. Disponível no site da PBS (Em Defesa da Comida) até final de janeiro/2016, apenas em inglês (possui cenas sensíveis, veja nota ao final).

No final de dezembro/2015 estreou (nos Estados Unidos) o filme-documentário “Em Defesa da Comida”, produção homônima e baseada no livro de Michael Pollan (Leia: Resenha: “Em Defesa da Comida” de Michael Pollan).

Quando surge algo relacionado com Pollan sempre ficou com pé atrás. As intenções são até boas, mas geralmente as ideias não são válidas em todos os lugares. Elas ganham status de verdade absoluta, o que ao meu ver é um problema.

Para quem leu o livro parece uma versão live-action dele. Aborda o nutricionismo e ciência reducionista em que a publicação foca bastante. Além de expandir e mostrar como todo um segmento pode ser manipulado, por todos que desejam algum tipo de benefício e não apenas pela indústria.

A premissa é boa ao tentar mostrar como a comida e a nossa relação com ela é complexa.

Porém, sofre um desvio para a simplificação e a tentativa de aplicar o situação dos Estados Unidos como algo global. É onde mora a minha crítica aflição existencial com o discurso do Pollan.

Comida por sua natureza já é extremamente complexa. Na visão científica, a matriz alimentar é dificil (mas não impossível) de trabalhar. Não é apenas uma substância isolada, são centenas e a gente querendo ou não vão interagir. Isso tudo sem incluir ambiente (temperatura, tempo) e seres humanos na equação.

Nutrientes do Mal vs. do Bem

Por um lado pede para não demonizar a comida (ou o que há nela, como a gordura), mas por outro lado fazem isso com o açúcar. E para os produtos altamente processados, ao passo de chamar edible foodlike substances (tradução livre: substâncias comestíveis semelhantes à comida). O que particularmente vejo como um terrorismo nutricional. Sério que é necessário? Talvez não.

De maneira um pouco mais sútil também batem na tecla do açúcar quando comparado com outro documentário, Fed Up (2014) que não gostei mesmo, mas fica para outra hora. Aponta o excesso do ingrediente em vários tipos de alimentos, o que é válido.

Entretanto, o problema não é o açúcar em si e sim a nossa relação com ele. Qualquer coisa em excesso não é saudável.

Documentário "Em Defesa da Comida" de Michael Pollan

Ocidente vs. Hadza

Outro ponto questionável foi a visita à comunidade Hadza (Tanzânia, África). Um dos pontos de interesse seriam as bactérias que habitam o intestino da comunidade, o que é uma dúvida válida. Uma vez que esses microrganismos geram impacto na nossa saúde e nós precisamos deles.

Mas novamente temos um outro viés diferente.

Logo, não é uma situação a ser celebrada.

A fonte de alimento depende da caça e colheita do que é disponível pel natureza. Como apontado por Food Insight, romatizar trabalho árduo e pobreza mostra que temos como garantido os benefícios que a tecnologia nos trouxe. Entretanto, em várias partes do mundo muitas pessoas não podem escolher (se querem ou não a modernidade) pelo simples fato de não terem acesso à tecnologia. Ainda mais numa população em que a mortalidade infantil é 1 em 5 crianças antes de completar 1 ano.

O que também pode ser visto em outro ângulo é a questão de correlação e causalidade (ou causação) que foi abordado em outro caso, mas neste ficou de fora. A maneira de se alimentar e a saúde dos Hadza (dita ser muito boa) foram correlacionadas. Em tempo: é possível correlacionar qualquer coisa, porém não significar ser a causa do que foi observado.

Querer comparar o estilo de vida de uma população pobre e sem acesso a melhorias como saneamento básico com a ocidental é um pouco raso e simplista demais.

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As tais regras

Para coroar é claro que temos as tais food rules, as regras de comida.

  1. Eat only foods that will eventually rot. (Coma apenas comidas que irão eventualmente estragar)
    Posso dar uma lista de alimentos que não apodrecem, de modo geral. Por exemplo, mel se bem armazenado não estraga. Ou os queijos curados, tudo bem que muitos queijos possuem um apodrecimento controlado.
  2. Eat only foods that have been cooked by humans. (Coma apenas comidas que foram cozidas por seres humanos)
    Por mais que isso soe romântico, ainda mais para a gente que gosta de cozinha… vamos ser práticos: tem muita comida caseira que é tão ou pior no quesito junk food. Só porque foi feita em casa não significa ser saudável.
  3. Avoid foods you see advertised on television. (Evite as comidas promovidas na TV)
    Aqui é um caso bem interessante, não sei como é nos Estados Unidos, mas quem nunca viu alimentos e/ou suplementos prometendo emagrecimento milagroso? Ou naquele terrorismo nutricional propagado pelos influenciadores fitness (quem nem sempre tem conhecimento técnico para tal e quando tem deveriam perder o diploma). Se for nesses casos, a gente concorda.
  4. Treat meat as flavoring or special occasion food. (Trate a carne como condimento/tempero ou comida de momento especiais)
    De certa maneira é compreensível a regra para diminuir o consumo de carne vermelha, porém reflete mais uma característica da população estadunidenses do que global. Sim, nós comemos carne, mas o nosso acesso é diferente. Aqui é um países asiáticos é visto, realmente, como um luxo.
  5. If it came from a plant, eat it. It it was made in a plant, don’t. (Se veio de uma planta, coma. Se foi feito numa planta, não)
    Então, vamos todos parar de comer farinha de trigo, manteiga, ovos, leite…E cuidado com esse mantra: carambola que é uma fruta linda, mas devido a sua composição química natural é tóxica para pacientes renais.
  6. Eat your colors – that is, eat as many different kinds of plant as possible. (Coma as suas cores, coma vários tipos de plantas)
    Finalmente, um sem problema!
  7. Use smaller plates and glasses. (Use pratos e copos menores)
    Por mais esquisito que seja, isso faz sentido. Mas novamente, creio que ser mais uma realidade dos estadunidenses. É o bom e velho ditado: não tenha o olho maior que a barriga.
  8. Serve the vegetables first. (Sirva os vegetais primeiro)
    Ah, não pode ser a sobremesa? Tudo bem, faz também sentido. Tem fibras, vai ocupar mais espaço e deixando menos para outros alimentos.
  9. Make water your beverage of choice. (Faça água a sua bebida de escolha)
    Olha só, mais um que concordo. Faço isso desde que adotei a reeduação alimentar ad-infinitum (Como Emagreci 30kg).
  10. Stop eating before you’re full. (Pare de comer antes de estar satisfeito)
    Isso é mais complexo do que aparenta. Depende e muito da força de vontade, além de perceber que não precisa comer a panela inteira de macarrão.
  11. Eat more like the French do. (Coma igual aos franceses)
    No caso, ele comem pratos ricos com gordura, carne e afins. Mas o grande tchan é a quantidade, tudo em pequenas porções. E de novo, naquela generalização. Adoraria comer baguette francesa todo dia.
  12. Try to spend as much time enjoying the meal as it took to prepare it. (Tente apreciar a refeição tanto quanto foi necessário para preparar)
    Meio cliché demais. Por mais que seja romântico isto, não. Reservar um tempo para comer calmamente é importante, mas não precisa ser piegas assim.
  13. Don’t eat anything your great-grandmother wouldn’t recognize as food. (Não coma nada que a sua bisavó não reconheceria como alimento)
    Esse é uma das regras mais triste que existem. Talvez possa ser aplicada para quem tenha uma descendência caucasiana (?) ou, novamente, para os estadunidenses. Minha avó e bisavó eram japonesas, elas não reconheceriam chia, quinoa e couve de bruxelas como comida. E aí? Muitos alimentos foram melhorados (e se tornaram seguros) e tiveram grande impacto na saúde pública.
  14. Break the rules once in a while. (Quebre as regras de vez em quando)
    Precisa comentar?

Igual ao livro, o documentário também precisa de uma boa dose de discernimento. A essência é interessante, é válida, abre a discussão… mas não é universal. Assim, usar o mesmo discurso literal é um equívoco por não levar em conta outros aspectos culturais e sócio-econômicos.

Creio que há uma luz no fim do túnel, o novo mantra é “Eat food. Not too much. Mostly plants.” Ou seja: Coma comida. Não muito. Principalmente plantas. O que poderia substituir essas regras todas.

Documentário "Em Defesa da Comida" de Michael Pollan

Ficha Técnica

Título: In Defense of Food (Em Defesa da Comida)
Duração: 1h55 minutos.
Produzido: Kikim Media
Distribuído: PBS
Assistir: no site da PBS (Em Defesa da Comida) até final de janeiro/2016, apenas em inglês. (É mostrado abate e desmembramento animal; cenas de cirurgia cardíaca)

Vitor Hugo

Mestre em Ciência de Alimento, Farmacêutico-Bioquímico e Gastrônomo. Atua como Produtor Gastronômico e Comunicador de Ciência. Criou o PratoFundo para ser o portfólio de gastronomia e ciência.

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3 Comentários (Deixe o seu!)
  1. Laura:

    Eu não concordo com seu ponto de vista. Apesar de ele colocar essas “regras” há uma explicação muito maior por tras de cada uma, e acho que você não levou isso em consideração. Por exemplo, na regra número 5, você comentou que então se é assim, deveríamos parar de comer farinha. Mas no livro fica bem claro que ele esta se referindo a alimentos altamente industrializados e processados. Comer alimentos que tenham sido processados e beneficiados pela industria é absolutamente aceitável, afinal com excessão de hortifrutis todos os outros ingredientes culinários que usamos passam por umma indústria. O que ele critica nesse ponto, é o consumo de alimentos que sofreram adição de uma infinidade de produtos químicos e de sal, gordura e açúcar, para que tenham uma longa viida de prateleira.
    Enfim, desculpa pelo textão, mas acho que ele é uma das pessoas que mais entende o que esta acontecendo com a alimentação mundial e e que ele tem argumentos muito coerentes que se aplicam a todas as sociedades ocidentais, em maior ou menor grau.
    Parabéns por abordar esse tema no blog, acho que quanto mais gente falando disso melhor.
    bjs

  2. Paula Alvarez:

    Gosto dele…quero muito ver o documentário que saiu no Netflix, é esse?!!! Tô perdida hahaha
    Mas concordo, temos que discernir o que serve para nós e o que não serve. Não só com o documentário, mas livros, matérias…como no caso da intolerância a lactose, gluten…as pessoas fazem dieta achando que vai resolver algo, mas se a pessoa não tem problemas com isso, pra quê fazer?!!!

    e poxa… eu gosto de comer a panela toda de macarrão, ou a caixa toda da pizza hahahahahaha >.<

    beijãozão*

    1. Vitor Hugo:

      Não assisti ainda da Netflix, mas lá são quatro episódios com 50 minutos cada. Algumas cenas que vi, parece que eles compartilham algumas coisas. Mas acho que são diferentes.