Ingredientes: Flor de Sal Sempre Foi Proibida

Ingredientes: Flor de Sal Sempre Foi Proibida

Foto: Olivier Bataille | Creative Commons

Em meados de 2009, caiu como uma bomba no meio gastronômico que a flor de sal havia sido proibida pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e os importadores poderiam sofrer multas e afins.

Antes de entrar nesse quesito, você sabe o que é flor de sal?

Definição: Flor de Sal

Em francês fleur de sel: são os cristais superficiais de sal coletados nas salineiras, nas mais tradicionais é feito manualmente. As regiões mais conhecidas são Guérande, Noirmoutier, Camargue (francesas) e Algarve (portuguesa), existem versões brasileiras também.

Não passam por nenhum tipo de processamento “pesado” e nem refinamento. Na gastronomia é usada na finalização dos pratos, ou seja, não é comum usá-la em grandes quantidades. E claro, não é lá muito barato. Tudo bem que nas regiões produtoras tem de tudo com flor de sal, como o David Lebovitz contou: Fleur de Sel.

Salineira Francesa

Foto: Frederic Chanal | Creative Commons

A Lei do Iodo

No Brasil, o sal é regulamentado pela lei nº 6150 de 03/12/1974 e pela RDC nº130 de 26/05/2003 sobre quantidade de iodo, principalmente.

A lei é totalmente clara, ou seja, não foi proibida agora. Sempre foi. Para começo de conversa, nunca poderia ter sido comercializada. Caso ela foi feita, uma infração foi cometida. Isso está fora de questão. Ponto.

Ponderei bastante antes de escrever este artigo, pois tenho certeza que serei mal compreendido ao menos por uma pessoa. Porém, creio ser necessário pensar fora da bolha que nós vivemos em relação a gastronomia. Às vezes sinto que as pessoas tem tanta devoção e paixão pela área que esquecem de ver a situação como algo maior, ter um olhar mais macro do fato.

Saúde e Política Pública

A decisão de adicionar iodo no sal teve um motivo muito forte, pensando em saúde e política pública da população. É preciso analisar o contexto de quando foi feita, além das condições sócio-econômicas no país.

Segundo o documento da V Conferência Nacional de Saúde (1975), na década de 50 existia uma incidência de 20,6% de bócio endêmico no país. As regiões mais atingidas eram Centro-Oeste (53,8%), Sul (27,7%) e Sudeste (27%).

E pela LATS (Latin American Thyroid Society), entre os anos 1974-1976 foi realizado pesquisa com 421.752 escolares (7-14 anos) e 41,1% apresentaram bócio.

Bócio é o aumento anormal da tireóide, uma glândula que fica na região do pescoço. Pode ser causado por vários fatores, mas o principal é a falta de iodo na alimentação. Fontes naturais do iodo incluem frutos do mar, derivados de leite e vegetais cultivados em solos ricos em iodo.

Esquecemos que boa parte da população não tem acesso a uma alimentação balanceada que poderia suprir a quantidade de iodo. Um país de proporções continentais facilita a diversidade entres a dietas das regiões também. Ou seja, não é possível nivelar todo mundo como mesmo. E convenhamos, até nós nem sempre comemos da melhor maneira possível.

Agora faz sentido, não?

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Bom-senso

Alguns textos a favor da flor são bem construídos, enquanto outros acabam atirando nos lugares errados. Existe discurso de que na flor exista iodo, tudo bem. Isso pode ser bem provável, sem problema algum.

Mas algumas questões deveriam ser respondidas antes: será que a quantidade de iodo por amostragem será constante? Uma vez que fatores climáticos são vitais para a extração. E o uso da flor não é feito da mesma maneira que o sal comum, ou seja, a quantidade usada durante o cozimento são distintos. Concordo que a lei poderia ser revista, pois tem mais de 30 anos. Muita coisa mudou nesse tempo

Entretanto, vejo problemas quanto a isso. Num caso hipotético, se a lei for mudada e dependendo de como o novo texto for, eu não daria dois tempos para a indústria salineira entrar com ações para que eles não precisem mais adicionar iodo ao sal. Loucura? Talvez. Não creio que as empresas sejam benevolentes a este ponto. E se existe a possibilidade de diminuir custos, será feito.

Claro, essa população menos favorecida não iria comprar a flor de sal por motivos óbvios, mas o problema é o sal comum, levando em consideração o que foi dito antes.

Por fim, deixo claro que sou a favor da flor de sal. Entretanto, creio ser necessário pensar com uma visão maior do conjunto. E sem querer jogar um balde de d’água fria, mas como se trata de uma lei federal para ser modificada precisa do Congresso.

Muito Longo; Não Li

  • Flor de sal (fluer de sel) mais conhecida é a francesa, mas há portuguesa. E outras variedades que se encaixam no mesmo propósito.
  • Uso é mais na finalização do prato.
  • Sempre foi proibida, desde a década de 70.
  • Não, não poderia ser vendida. Se foi, é uma infração. Ponto.
  • Não foi algo da noite para o dia.
  • Decisão baseada em saúde e política pública por causa da incidência de bócio.

Bibliografia

Vitor Hugo

Mestre em Ciência de Alimento, Farmacêutico-Bioquímico e Gastrônomo. Atua como Produtor Gastronômico e Comunicador de Ciência. Criou o PratoFundo para ser o portfólio de gastronomia e ciência.

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15 Comentários (Deixe o seu!)
  1. Tatiana:

    Então sou uma criminosa!

  2. Bia Doern:

    Será que Alguém no governo já parou para pensar que também existe hipertireoidismo e não só hipotireoidismo e que nem toda população por ter necessidade dessa quantidade de iodo. Vejo pessoas tendo que comprar sal pela internet (e pagando absurdos), um item tão essencial na nossa cozinha, porque não podem consumir sal iodado devido ao hipertireoidismo. Se proibirem a venda pela internet como essas pessoas vão fazer terão que sair do pais, ou traficar quem sabe.

  3. Laila:

    É verdade, os profissionais de Gastronomia que tenho conhecido vivem numa bolha. Sou estudante de Gastronomia e precisa ver como sou destratada numa aula com chefs quando digo que sou abstêmia e não poderei provar um prato que tenha sido feito com álcool, apesar de eu não me recusar a participar da preparação: eles ficam com raiva. Custava respeitar? Quanta falta de finesse. Por isso entendi seu texto. Apesar de queremos acesso a ingredientes como o sal de flor, temos que entender que há questões, como a do iodo no sal, muito complexas e delicadas, portanto não podem ser vistas unicamente sob o ponto de vista gastronômico.
    Tenho uma ressalva: quando tenho aulas com cozinheiros, além de não se sentirem ofendidos quando aviso que sou abstêmia, ainda separam uma parte para mim preparada sem álcool. Gentileza deles. Por isso abandonei meu desejo de ser chef e pretendo me tornar uma boa cozinheira igual a eles, se Deus quiser. Um abraço.

  4. carlos:

    Voces não acham que que a rdc 130 não flexibiliza esta utilização, já que fala na possibilidade de utilização desde que bem rotulado, olhem o art. 2º Os produtos alimentícios industrializados podem utilizar sal sem adição de iodo como ingrediente desde que seja comprovado que o iodo cause interferência. As empresas responsáveis pela fabricação dos produtos alimentícios devem manter à disposição do órgão de vigilância sanitária os estudos que comprovem a interferência.

    1. Vitor Hugo:

      @Carlos: não saberia dizer qual é a interpretação, mas na minha visão seria o sal como ingrediente de uma produção industrial. Não o ambiente industrial. Temos minhas dúvidas que haja algum produto que tenha conseguido essa licença especial, pois iria gerar gasto para a indústria conseguir provar. Eu acho.

  5. Vitor Hugo:

    Olá Thalita,

    A questão não é só da ANVISA, ela coordena. No caso da Lei, precisa ir muito além dela. Como se pode ler nela, ela tramita pela congresso e passa pelo presidente da república. Não é algo lá muito simples.

    Outro ponto que gostaria de destacar é: o uso desses sais especiais (flor de sal/gourmets) é diferente do sal “comum”. Eles são usados na alta gastronomia apenas para finalizar pratos e em poucas quantidades. São caros devido ao seu manejo como está explicado no texto, são coletados a mão.

    No caso específico não é apenas questão de conscientização. Essa medida foi tomada na época por causa da incidência dos males causados pela falta de iodo, isso leva a crer que apenas com a dieta regular aquela população não conseguia obter a quantidade mínima do micronutriente necessária.

    A questão, hoje, é muito mais complexa. Existem vários caminhos.

  6. Thalita:

    Olá a todos!

    Encontrei este site por outras razões que não gastronômicas e achei por bem acrescentar um argumento muito útil a essa discussão.

    A anvisa parece ignorar, mas o tratamento do câncer de tireóide se utiliza, basicamente, de vários episódios de supressão do consumo de iodo por 30 dias, quer seja para receber a iodoterapia, quer seja para submeter-se a exames…

    Em outras palavras, o desafortunado que padece desse mal não só se vê sem ter o que comer por 30 dias como se sente um criminoso, por buscar locais onde se venda sal sem iodo!

    Pior, ironicamente termina por pagar a mais por algo mais natural e que exigiu um processo muito menos complexo para sua confeccção.

    Eu sei bem o que é isso, pois me encontro em tratamento e já é a 4ª vez que entro no regime sem iodo e passo por uma nova odisséia.

    Sei que se depende de alteração legislativa, mas penso que a idéia de conscientização através de rótulos explicativos e outros seria bem mais coerente do que a simples proibição indiscriminada.

    Afinal, se o argumento a favor da proibição é a saúde, o que dizer dos milhares de pacientes que se tratam pelo INCA, não têm condição de selecionar os caríssimos e escassos alimentos sem iodo pelos períodos estabelecidos e muitas vezes comprometem o exame e a terapia por causa disso?

  7. Fabricia:

    Estava tão curiosa para saber o motivo da proibição … Obrigada por matar minha curiosidade … Mas que peninha …. Beijocas.

  8. Vitor Hugo:

    Paulo: Na realidade, não. Por mais que algumas variedades de flor de sal possam ter iodo na composição, nem todas vão ter. E caso tenha, provavelmente não será de maneira constante.

    E a semente de papoula não foi proibida, apenas a burocracia para sua importação aumentou sendo descrita pela RDC nº. 239/2002. Em cozinhas comerciais, caso não me engano, a regulamentação pede que se use utensílios de polipropileno.

    Cacau: Você está perdendo o foco da questão… não se trata apenas de você ou eu, mas sim um contingente muito maior de pessoas que podem ser afetadas. Direito todos tem, porém é preciso pensar mais além quando o assunto possui uma abrangência muito maior.

    Essa margem de 40-60mg/kg é uma medida de segurança para que não exista dosagem acima do ideal, mas suficiente para que exista a ingestão necessária.

    @Fernando: Não sou especialista em leis, mas tendo como base o que está na do sal, ela é bem clara. A adição de iodo não é algo facultativo, para consumo final tem que tê-lo, se não tiver está fora.

    É diferente do caso das embalagens que tem a indicação de glúten e fenilalanina, por exemplo.

    @Leandro: Como comentei com o Fernando, creio que não. A lei é totalmente clara, é proibido vender sal para consumo sem iodo. O caso é diferente das indicações de glúten e fenilalanina.

    Se o texto for modificado, mas deixando bem claro, quem sabe. Entretanto, poderá cair no problema que indiquei da indústria salineira.

  9. Leandro:

    O que o Fernando falou é perfeitamente possível.
    Todas as embalagens de flor do sal que eu já comprei tinham a Inscrição “Este produto não contém iodo”…

  10. Fernando:

    Vitor,
    Será que um dos caminhos que permitiria a comercialização da Flor de Sal sem maiores problemas seria ROTULAGEM? Quer dizer, se fosse colocado no rótulo das embalagens de Flor de Sal que é um produto que não contém iodo (ou contém, mas em pequenas quantidades e tal…) e que, por isso, não ajuda a prevenção do bócio, como o sal comum.

  11. dri valadares:

    fui sábado ao supermercado e vi uma prateleira com pelo menos 12 latinhas de fleur de sel de guérande expostas, e ainda com uma plaquinha chamando a atenção e explicando o que era e pra que servia. só não comprei e guardei porque para mim, proibitivo é o preço! :-)

  12. Laura:

    Há momentos em que o coletivo deve mesmo imperar. Não sei qual a frequência do emprego da Fleur na culinária caseira na Europa, talvez seja interessante levantar esses dados (se existirem)… Caso o consumo seja frequente e haja ausência de doenças vinculadas ao uso do condimento, penso que o argumento possa começar por aí… De toda forma, elogio o seu esforço em apresentar estas informações com tal neutralidade e bom senso! E confesso minha imensa saudade das papoulas…

  13. Cacau:

    Acho que a ANVISA deveria sim fiscalizar a comercialização da Flor de Sal, no que diz respeito à higiene e não por causa do iodo. O público que pode ($$) consumir esse produto tem conhecimento da necessidade de iodo na dieta e pode fazer uma escolha consciente (se é que este é mesmo o problema) de acordo com suas convicções (porque é mais saudável, ou mais saboroso, ou qualquer outro motivo que caiba).
    Na minha opinião é totalmente non-sense proibir o consumo desse tipo de sal só porque a dosagem de iodo é (naturalmente) variável. “Segundo a Resolução RDC da
    Anvisa nº 130, de 26 de maio de 2003, somente será considerado próprio para consumo humano o sal que contiver teor igual ou superior a 20 (vinte) miligramas até o limite máximo de 60 (sessenta) miligramas de iodo por quilograma de produto” (fonte: http://portalsaude.saude.gov.br/), vamos combinar que também não é nada muito preciso neh?

    Será que isso é mesmo tão prejudicial à saude assim?? Será que não temos o direito de escolher??

    Tem coisa bem pior vendida em belos saquinhos coloridos que trazem muuuuuuuito mais prejuízos à saúde e ninguém fala nada …

  14. Paulo:

    Vitor
    Concordo que a Lei deve ser revista, mas não só quanto a flor de sal.
    Na verdade, entendi que a polêmica se dá em relação ao grau de iodo e se pede adequação.
    A ANVISA tem dois lados que devem ser vistos, por uma questão de justiça. Ela tem dificuldade de fiscalizar grandes agricultores em relação ao uso dos agrotóxicos, estes se beneficiam de algumas leis que são feitas por seus próprios representantes. O outro lado é a visão binária de cumprir a Lei que é imperfeita, mas a culpa não é dela. Leis mudam, são criadas, mas nem sempre o alvo é acertado com a melhor solução. Aqui no Brasil, a semente de papoula é proibida, o uso de alguns utensílios de madeira também (para a alegria dos fabricantes de silicone), no entanto, a indústria alimentícia joga guela abaixo dos desavisados gordura vegetal, corantes e tantas outras coisas absolutamente nocivas, mas que são protegidas por Lei.