Gastronomia Molecular: Métodos Básicos

Neste texto vou abordar as principais inovações dentro da gastronomia molecular (lá fora não é mais novidade assim), mas “por aqui” (leia-se: eu acho legal pacas) continuam fazendo sucesso. E particularmente, algumas delas estou doido para tentar, como você bem deve saber no Brasil é complicado encontrar os pózinhos mágicos.

Este post faz parte de uma pequena introdução sobre o tema, caso queria leia a parte 1: Gastronomia Molecular: Introdução.

Prepare-se, pois o texto é extenso…

Okay, meio mundo já copia esses métodos, mas são tão divertidos e interessantes! Então, vamos por partes: espumas, esferificação e geleificação.

Espumas, espumas e mais espumas

Gastronomia Molecular: espumas
A literatura indica como inventor da técnica o chef catalão Ferran Adrià (el Bulli), classificado como “Foam Culinary“. Mas antes de entrar na explicação dos dois tipos básicos temos que fazer uma pequena contextualização de que espuma é simplesmente uma substância formada quando você aprisiona bolhas de ar (ou qualquer outro gás) num líquido ou sólido.

O modo mais conhecido criado por Ferran é o que usa o sifão (garrafa de chantilly) com cartuchos de óxido nitroso (um tipo de gás). É feito um suco (de frutas, vegetais ou algum líquido com sabor) misturado com ágar/gelatina (ou creme de leite) colocado tudo dentro do sifão injeta-se o gás e está pronto. Só deve ter o cuidado para que não tenha nenhuma partícula no líquido usado que possa entupir os mecanismos do sifão.

Com esta mesma técnica é possível fazer merengue instantâneo ou espuma de sorvete, o procedimento é o mesmo. No caso do merengue dissolva o açúcar nas claras e coloca-se tudo no sifão. Com sorvete (o exemplo que visto foi com sorvete de baunilha) tem que esperar derreter, peneirar para retirar qualquer partícula.

A outra maneira temos que usar um produto chamado de lecitina de soja que não chega a ser alguma novidade, pois é usada como aditivo alimentar faz tempo. Tem o papel de emulsionar, ou seja, é emulsificante. Traduzindo: torna possível a mistura de dois líquidos que normalmente não se misturariam, como a água e o óleo. Encontrado em sorvetes, chocolates, margarinas e assim por diante.

Até pouco tempo atrás não conhecia essa técnica, meu primeiro contato foi com uma receita do chef Lionel Lévy (do Une Table, au Sud), Milkshake de bouillabaisse. Está certo que tenho um certo estranhamento com o prato, não, não o provei… mas só de pensar em peixe transformado em milkshake… ouch! Bouillabaisse é um tradicional prato provençal (sopa) feito à base de peixes e mariscos.

No preparado em questão tem como guarnição(?) espuma de laranja com a sopa e o chef usou lecitina de soja. No mesmo período de tempo que conheci a receita, vi (num vídeo, mas não está mais disponível) que Ferran fez a mesma coisa com um suco de cenoura.

Basicamente é só misturar os líquidos desejados e bater com um mixer. Ficou confuso? Então, assista esta demonstração de espuma de suco de beterraba. O resultado lembra a espuma feita com sabão, não?

Esferificação: que tal caviar de cenoura, beterraba, maracujá?

Gastronomia Molecular: Esferificação A explicação vai parece um tanto besta-simplista, mas é isso mesmo: aprisionar um líquido qualquer numa esfera perfeita, porém, como isso é feito que está toda a graça.

A esferificação tem como base o alginato (ou ácido algínico) que pode reagir com cloreto de cálcio (para o método clássico) ou com uma mistura de gluconato de cálcio e lactato de cálcio (para a inversa), todos são um tipo de sal. O importante nesse momento é saber do cálcio.

Alginato é uma substância extraída de algas marrons, possui caráter geleificante, utilizado na indústria alimentícia como aditivo alimentar para alterar a viscosidades de produtos (sorvetes e bebidas). Devido a suas propriedades químicas, o alginato reage com o cálcio (ou com outros elementos parecidos com o cálcio) o que resulta na formação da película que reveste as esferas resultantes da esferificação.

Basicamente existem duas maneiras de se realizar a esferificação.
No método clássico: alginato é dissolvido no líquido em que se pretende fazer as esferas, enquanto, o cloreto de cálcio é dissolvido em água. Assim, deve-se gotejar a mistura de alginato na água com cloreto de cálcio. Segundo algumas pessoas, desta maneira pode agregar sabor ao preparado. Proporção: 0,8% de alginato e 0,5% de cloreto de cálcio.

Na inversa: dissolve-se gluconato de cálcio e lactato de cálcio no líquido que irá virar as esferas, logo, o alginato deve ser dissolvido em água. Então, goteja-se a mistura do líquido na água com alginato. Com esta forma não existe a adição de outros sabores com resultado final, além de ser possível esferificar líquidos com alto teor alcoólico. Ainda pode ser necessário o uso de outros ingredientes como goma xantana (um tipo de espessante) e ácido cítrico (normalmente usado como estabilizante). Proporção: 0,5% de alginato e 2,4% da mistura de gluconato de cálcio e lactato de cálcio.

As proporções são médias obtidas de acordo com as receitas encontradas no site Texturas el Bulli.

Com este método que são feitos os caviares falsos dos mais variados sabores, como de cenoura, beterraba, pepino e assim vai. Entretanto, é possível fazer com os geleificantes, porém o resultado é levemente diferente.

Geleificantes: gelatina, ágar e metilcelulose

Tem a propriedade de geleificar! Ou seja, confere ao líquido a textura de gel modificando a sua viscosidade. Os mais conhecidos são os citados abaixo.

Gelatina: sendo o mais conhecido, de origem animal (obtido de ossos de bovinos), composto basicamente de colágeno (ou seja, proteína). Para se dissolver melhor necessita de calor, porém temperatuas mais baixas potencializa a ação geleificante. O uso é o básico que estamos acostumados, além de ser usada para as espumas

Gastronomia Molecular: Agar Ágar: mais difundido na cultura oriental, de origem vegetal sendo extraído de algas vermelhas. É um carboidrato (a grosso modo um açúcar) da classe dos polissacarídeos, ou seja, não é a mesma coisa que “gelatina”, possuem capacidades parecidas (propriedades geleificantes), mas do ponto de vista químcio são diferentes. Também necessita de calor para uma melhor dissolução, entretanto, em temperatura ambiente já demonstra uma boa ação geleificante. Ou seja, caso fique fora da geladeira não derrete.

Foi com ágar que pude fazer o “caviar de maracujá” que fica semi-sólido, ou seja, quando se corta a esfera não sai nenhum líquido de dentro. É com este produto que também é feito o spaghetti de parmesão (ou de qualquer outro tipo de líquido).

Metilcelulose: é um derivado da celulose (que por incrível que parece também é um tipo de polissacarídeo, ou seja, um carboidrato), assim como os demais também altera a viscosidade e pode ser utilizado como emulsificante também. A parte mais interessante é que as suas propriedade geleificantes são ativadas pelo calor, ou seja, tem que dissolver em água fria e depois esquentar. Devido a essa característica que o chef Ferran Adrià faz a “gelatina” quente dele.

Carboximetilcelulose: vulgo C.M.C
Havia me esquecido completamente desde outro geleificante! Aline (comensal habitué) soltou a pergunta, então vamos a mais esse ingrediente. Até o momento não vi nenhuma técnica que utilize o CMC na cozinha molecular, mas nunca se sabe. Mas na cozinha “normal” é usado na pasta americana em si e como cola para a própria pasta na hora de aplicá-la.

O CMC também é um derivado da celulose, não é a mesma coisa que o metilcelulose quimicamente falando, enquanto o metilcelulose tem que ser dissolvido em água fria, o CMC a temperatura não faz tanta diferença. Colocou na água já altera a viscosidade do líquido. Tem propriedade geleificantes e pode ser usado como estabilizante para emulsões (ou seja, impede que a emulsão se “quebre”. Emulsão é a mistura de dois líquidos que normalmente não se misturam, certo?).

Final

Estas são os métodos mais comuns e difundidos que são usados no mundo todo, ao menos, nos resturantes mais modernos e/ou conceituais. Algum dúvida ou sugestão é só comentar.

Referências
– Livro: Chefs – Segredos e Receitas
Foam (culinary)
Methylcellulose
Texturas el Bulli
JoCooking

Créditos das fotos
Espuma de azeitonas por 50 Yen.
Espuma de cogumelos por Sunday Driver.
Caviar de pepino por NatureWalk.
Caviar de cenoura por 50 Yen.
Spaghetti de parmesão al carbonara por ulterior epicure.

[UPDATE – 17/03/2009]
Eu sei já sei como conseguir o alginato & Cia. para fazer os experimentos. Para saber mais, leia: Molecular: ABC da Esferificação
[/UPDATE]

Vitor Hugo

Mestre em Ciência de Alimento, Farmacêutico-Bioquímico e Gastrônomo. Atua como Produtor Gastronômico e Comunicador de Ciência. Criou o PratoFundo para ser o portfólio de gastronomia e ciência.

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37 Comentários (Deixe o seu!)
  1. Ana:

    Oi Vitor Hugo!
    Seu texto é realmente muito legal!! Por um acaso vc sabe me dizer se existe algum curso sobre isso, aqui no Brasil ou lá fora??
    Parabéns e obrigada!!

  2. Vitor Hugo:

    Olá Marcus,

    No primeiro link apareceu vitaminas no complexo B… =/ Já no segundo listava a lecitina. Bom, não sei se serve… ganhei um pacote de lecitina em grânulos, testei… mas não deu muito certo. Entretanto, a técnica usa lecitina em pó e um mixer, como não tenho o aparelho, usei liquidificador.

  3. marcus:

    sera q essa lecitina aqui serve amigo? consegui achar lecitina aqui oh…

  4. Alessandra:

    Olá Vitor,
    muito bom o seu blog!!! Quero saber qual a porcentagem de lecitina de soja utilizada para fazer as espumas!!!!
    Abçs

  5. Vitor Hugo:

    Olá Pedro,

    Não. Sem sempre as distribuidoras sabem informar isso, a questão não é ser “forte” ou não, mas sim se os produtos não tenham impurezas tóxicas.

  6. Pedro:

    Todo agar-agar,alginato de sodio,gluconato de sodio,lactato de sodio,cloreto de calcio, esse produtos quimicos que encontramos em laboratorio quimicos pode ser ingerido(é food grade)?pois a concentracao e muito forte

  7. Vitor Hugo:

    Olá Antonio,

    Sim, o agar mencionado no texto é o agar-agar (produto utilizado para gelatinizar líquidos). Bom resultado? Se estiver se referindo ao caviar de maracujá (https://pratofundo.com/caviar-de-maracuja/), a concentração foi de 1,5%. Ou seja, para cada 100mL de líquido, adicionei 1,5g de agar.

    Alguns lugares usam mais agar, mas com 1,5g funciona muito bem.

    Agradeço a visita e o comentário! :)

  8. Antonio:

    Vitor, o Agar que vc menciona é a mesma coisa que Agar Agar? Qual a fórmula que vc utilizou que produziu um bom resultado (se puder falar)?

  9. Vitor Hugo:

    Olá Lucas,

    Basicamente, em um único lugar distribuidoras de reagente químicos. Porém, você esbarra em alguns pontos: 1) preço (é caro); 2) quantidade (só em quantidade grande vende); 3) quase sempre é necessário CNPJ (pessoa jurídica); 4) não sabem informar se o produto é food grade, ou seja, se pode comer.

    Certo? Agradeço a visita e o comentário! :D

  10. Lucas:

    Oi!?!
    gostaria de saber onde consigo comprar ácido algínico!!
    Parabêns pelo artigo.
    abraço

  11. Vitor Hugo:

    Olá Daniel,

    Agradeço a visita e o comentário! Quanto a parte que tu achou legal é para pegar uns desavisado que copiam o texto para trabalhos sobre gastronomia sem ao menos ler, heheh. Sim, isso já aconteceu! A professora é minha amiga, heheheh.

    Gostaria muito trabalhar com a molecular, nem que fosse em casa, mas os reagentes são muito caros tanto para importar (o que mata é o imposto) quanto comprar aqui no Brasil. Vou fazendo o que dá, heheh.

    Uia, fez gastronomia! Que bacana, =D

  12. Daniel Polt:

    HAHAHAHHAHA
    Eu amei todas as explicações.
    mas esse trecho foi o melhor:
    “Sabia que é muito feito copiar o trabalho de outras pessoas? =P E nem ao menos dar o crédito? heuheuehuehe.”
    concordo..
    :D
    Vc trabalha com cozinha molecular?
    Eu estou me formando em Gastronomia no ES. Tenho 19 anos e acho fantastico como coisas que a principio parecem tão mirabolantes.. podem ser feitas de uma maneira bem mais facil.
    E, a nível de curioso do assunto e amador quero sempre entender mais e procurar mais.
    Gostaria de entrar em contato.
    Grato =D

  13. Vitor Hugo:

    @jaden: oh, thanks! But the photos in the post aren’t mine, in this case… hehe.

    @Nadia: esse povo é tudo enrolado, dizem tanta coisa que acaba confundido a gente, hehehe Faça mais vídeos!

    @Neide: cmc? será que não era de metilcelulose não? Tenho que comprar a seringa e o tudo para fazer o spaghetti, ainda.

  14. Neide:

    Oi, Vitor,
    ótimo texto! Comi uma vez um espaguete de carboximetilcelulose, feito por um chef espanhol – esqueci o nome, não é nenhum destes mais conhecidos. Tinha sabor de nada, mas era interessante. Parabéns. bjs, n

  15. Nadia:

    Oi, Vitor!
    Adorei seu blog! Também curto ‘cozinha molecular’ (os entendidos dizem que o termo é errado, mas não sei do que chamar…). Fiz um curso de hidrocolóides em NY e tenho algum material pra trabalhar. No meu blog fiz um filme de, sei lá, um minuto, mostrando o uso da maltodextrina em gordura… a esferificação vai ficar pra segunda etapa (já tem muita gente fazendo)… abraços

  16. steamy kitchen:

    pretty good photos for dining table and fancy fabric!

  17. Vitor Hugo:

    @Arthur: seja bem-vindo e valeu pelo comentário. Uma das várias razões de ter começado essa série é justamente por isso, é uma faceta tão interessante mas pouco explorada no Brasil… ou quando falam, complicam demais.

    @Aline: isso, abordei mais a cozinha molecular, pois se fosse da gastronomia o texto ia ser um porre para as pessoas normais. Não quero parecer pedante, mas a gastronomia molecular mesmo (como ciência) é parte técnica de química, física e por que não biologia também. Pretendo abordar um pouco, só que de forma leve e compreensível.

    Uia, esqueci do CMC, irei acrescentá-lo no texto. Mas respondendo: não, CMC não é a mesma coisa que metilcelulose. Ambos são derivados da celulose, mas possuem diferenças químicas e estruturais. Para o CMC tanto faz a temperatura da água, colocou na água fica aquela meleca. Estou testando ele para ver o que dá para criar.

    Bingo, Aline! Dentre todas essas fantasias da molecular, além de novos métodos e tal, ela é tão estética quanto paladar. Igual a já famosa “gema de ervilhas” que Ferran fez, é um conflito de idéias pré-existentes… ou a panna cotta em formado de ovo frito.

  18. Aline Berg:

    Olhando os links que você postou, percebi que para apreciar a cozinha molecular é preciso se desfazer dos preconceitos. Nós estamos muito acostumados a ver o que comemos e comer o que vemos. É muito difícil “desassociar” a comida e seu sabor da imagem que temos dela.
    Imagine o bouillabaisse… para que nunca experimentou, imagine uma moqueca de frutos do mar. Agora imagine um milkshake disso…Eca! Parece horrível, mas será que é???
    Os pratos da cozinha molecular não são o que parecem. Completando, é um desafio entre o olhar e o paladar.

  19. Aline Berg:

    Muito Louco!!!! Eu gostei muiiito do texto, mas o conceito que eu tinha era somente o de gastronomia molecular e achei que você ia falar sobre isso. Se eu não me engano, de acordo co a sua explicção no post anterior, isto é cozinha molecular. Mesmo assim achei maneiríssimo.
    Agora, dúvidas…O metilcelulose é o mesmo que carboximetilcelulose???
    Eu não sabia que suas propriedades geleificantes eram aumentadas com o calor!? já usei, mas com água em temperatura ambiente e por sinal é um saco, porque absorve e gelifica muito rápido criando bolotas facilmente. :P
    Comentário: eu já experimentei um bouillabaisse, é maravilhoso…agora, a idéia do milkshake me embrulhou as tripas…hehehe. Não sou fresca para comer, mas não sei se teria coragem…rs…
    Achei o texto ótimo, e nem tão grande assim, continue porque está muito interessante.

  20. Arthur:

    A pouco tempo vi uma receita de um talharim de consomê de carne, do Ferran Adrià, e fiquei totalmente chocado com a criatividade e beleza do prato.
    Gostei muito dos seus textos, é muito difícil encontrar alguma informação sobre gastronomia molecular em português e com uma linguagem acessível para leigos.