Resenha: “Elementos da Culinária de A a Z” de Michael Ruhlman

Resenha: “Elementos da Culinária de A a Z” por Michael Ruhlman

Algumas semanas atrás recebi, via cortesia da editora, um exemplar do livro “Elementos da Culinária de A a Z” de Michael Ruhlman, editado no país pela Zahar.

Digo que foi uma grande coincidência, pois tinha lido sobre o autor ultimamente devido ao último livro dele lançado lá fora, Ratio. Então, chegou em boa hora porque assim posso saber qual é o estilo de escrita do autor.

Titubeei um pouco para escrever a resenha, pois a publicação tem a introdução de Anthony Bourdain (tudo bem que eles são amigos) e foi bem quotado por Jacques Pépin. Poderia soar como pretensão as minhas críticas ao livro. Porém, como ele chegou por livre e espontânea vontade, vamos lá! :)

O livro deve ser encarado com duas partes diferentes, afinal ele é dividido assim. Na primeira, o autor escreve sobre: caldo, molho, sal, ovo, calor, utensílios, fontes e agradecimentos, e finesse.

Gostei bastante da ênfase dada ao ovo que por muitas vezes, aqui no Brasil, é tratado como subproduto ou coisa de pobre. Vale ressaltar outros como Calor, Utensílios e de mais um que falo dele mais para frente.

Em alguns pontos senti que faltou uma pesquisa uma pouco mais cuidadosa por parte da versão brasileira. Por exemplo, no texto sobre o sal o autor diz nunca se deve usar sal iodado, pois a deficiência não seria mais um problema. Isso pode ser verdade lá nos EUA, entretanto, aqui no país é obrigatório por Lei o sal ser iodado (Lei nº 6150, de 03 de dezembro de 1974). Por ser um livro para diversos públicos, desde o iniciante quanto ao profissional, uma nota sobre teria sido interessante.

A segunda parte, as centenas de termos culinários, possui algumas informações que por vezes podem ser conflitantes e por outras equivocadas. Principalmente quando se trata de assuntos científicos.

O mais pertubante, para mim, foi:

Fungos: Fungos são plantas simples, um grupo que inclui cogumelos, é claro, mas também leveduras e mofos benéficos.

Nomear fungos como plantas não é nada bom, nada. Dentro da classificação científica, os fungos são seres tão distintos de plantas e de animais que existe um reino só para eles, Fungi.

Se fosse para dizer, mas com muita força de vontade fungos estariam mais para animais do que plantas. Ou seja, não são plantas e nem animais. Não é à toa que foram classificados como fungos. E sim, no passado os fungos já foram descritos como plantas, mas atualmente não mais.

Ainda sobre fungos, no texto que descrevem mofos percebi uma certa ambiguidade quanto ao descarte ou não do alimento mofado. Por alto, caso ache mofos normalmente não encontrados na comida (eles) devem ser removidos dela ou descartada por inteiro.

Sinceramente, não existe essa história de está mofado só em cima, embaixo está bom. Está mofado o que não devia? Joga tudo fora, tudo. Se chegou ao ponto de ser visível essa parte aérea do mofo, pode apostar que a parte de baixo está toda comprometida também mesmo que não aparente.

Dois pontos que poderiam ter sido revistos:

  1. Índice Remissivo: um livro que se propõe a ser quase um dicionário de termos culinários sem um índice dificulta a busca da palavra. Tudo bem que não são tantas assim, porém seria bem mais ágil procurar no índice qual o verbete desejado do que passar folha por folha.
  2. Harold McGee: nada contra este outro autor. Mas Ruhlman muitas vezes recomenda a leitura de outro livro que no caso é do Mr. McGee, principalmente quando é necessário alguma explicação mais apurada. Nada contra fazer referências e dizer qual é a fonte da informação, entretanto, abusar desse artifício para não ter que explicar é, no mínimo, chato. Entendo que o autor não queria algo tão aprofundado que poderia espantar os novatos, mas para quem gosta de saber os “porquês” da coisas, isso frusta um pouco.

Por mais que a proposta do livro seja a referência com todas as suas explicações (e alguns deslizes), existe uma passagem que transforma a maneira como se enxerga a própria publicação quanto a culinária em si: o texto sobre finesse. Texto inspirado que, de certa maneira, define em parte o sentimento daqueles que gostam e respeitam a comida, de verdade. Apenas ele já compensou a leitura, para mim.

Define finesse sendo:

refinamento e delicadeza de desempenho, execução ou artesania.

E a partir disso, mostra exemplos de finesse. Como diria, a diferença está nos detalhes.

Que cada etapa na preparação é importante para que o resultado seja o melhor, e não apenas bom. Não basta ser apenas correto, e que os elementos de finesse farão que o produto seja mais do que excelente.

Isso me lembra uma crítica (não lembro de quem ) que dizia que o mínimo que se espera de uma comida é que ela seja honesta. Ou seja, dizer somente que um prato é honesto não chega lá ser um elogio completo. É neste ponto que a finesse entra, ao menos para mim.

Resenha: “Elementos da Culinária de A a Z” por Michael Ruhlman

Elementos da Culinária de A a Z – Técnicas, Ingredientes e Utensílios por Michael Ruhlman
Editora Zahar (Jorge Zahar Editor) – 291 páginas, 2009.
Preço médio: R$47 reais.

Compromisso com a verdade.
Vitor Hugo

Mestre em Ciência de Alimento, Farmacêutico-Bioquímico e Gastrônomo. Atua como Produtor Gastronômico e Comunicador de Ciência. Criou o PratoFundo para ser o portfólio de gastronomia e ciência.

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9 Comentários (Deixe o seu!)
  1. Joelma:

    Vitor,
    Gostei muito da sua crítica. Uma resenha de profissional. Eu nao tenho a possibilidade de comprar livros traduzidos para o portugues por que nao estou no Brasil. O que eu possuo quase sempre é na língua original. Na dúvida eu teria ambos. Em especial, se é um livro teórico para se trabalhar com ele. Quanto ao Cooking School da M.Steewart eu indicaria apenas para principiantes. Eu fiquei com gosto de quero mais… Estou anciosa para ler as próximas resenhas. Abracos, Joelma

  2. Mayra:

    Olá. Que bom que li sua resenha antes de comprar! Mas vou apelar pro livro no idioma original. Obrigada!

  3. Adri (Nadeshiko):

    comida honesta! sempre!
    adorei a crítica… mto bom!

  4. Vitor Hugo:

    Oi Bibi,

    Exatamente! Sempre quando pego um livro traduzido fico me perguntando se foi aquilo mesmo que o autor original queria dizer…

    Dei uma olhada no “Cooking School” da tia Martha, quase comprei-o. Mas gosto de livro mais… hum, clássicos diria. Ou de referência. Alguns reviews do “Cookings” diziam que ele não é tão introdutório assim, algumas coisas seriam medium-pro. Um mês? Comprou na Amazon com a entrega pobrinha? hahahah

    Ah, eu tenho esse do Einstein, eu gosto bastante dele, hahahah Diferenças de compreensão ou interpretação são até passáveis, mas equívocos científicos… eu creio que não, heheheh

  5. Nadia:

    Oi, Vitor! Andei dando uma folheada nesse livro, mas como estou com falta de espaço para guardá-los, tenho que ser bem seletiva nas minhas compras. Também acho um saco esse negócio de livro nacional não ter índice remissivo. Por que será, hein? Lá fora todos, mas todos mesmo, têm o índice remissivo, e como ele facilita a vida do leitor! Aqui a gente sofre pra pesquisar alguma coisa… beijos

  6. Bibi:

    Oi Vitor, vou anotar e quem sabe um dia eu compro o livro. :)

    Encomendei o livro da Martha Stewart “Cooking School” e com sorte chega logo (o prazo era de um mês) para eu começar a ler. Queria uma livro mais introdutório e depois de dar uma olhada na livraria Cultura não resisti.

    Apesar de achar super prático livros traduzidos e às vezes os preços são melhores – nem sempre devo dizer – a tradução sempre acaba me desapontando um pouco. Será que ele queria dizer isso mesmo no original? Tenho um livro ótimo também da Zahar “O que Einstein disse a seu cozinheiro” ou algo assim, mas há erros claros na tradução, como chocolate em pó sem açúcar, e não cacau em pó. Um erro aqui e outro lá, mas o livro é divertido e no fim das contas eu consigo entender.

    Abraços e obrigada pela dica ;)

  7. Luiza:

    Olá Vitor!
    Gosto do jeito que escreve, e de como expõe sua opnião.
    Sou uma pessoa que adoro saber os “porquês” das coisas, e acredito que você também. E quando não consigo entender o “porquê” de tudo, fico decepcionada.
    Fiquei interessada em ler o livro, principalmente na parte de finesse, acredito que “honestidade” é o mínimo que se deve esperar da comida.
    Quanto aos fungos, concordo com você e mesmo porque isso ficou bem claro pra mim quando vi o assunto na faculdade.
    Abraço,
    Luiza

  8. Vitor Hugo:

    Olá Cecilia,

    O que disse é com embasamento. Você acredita que onde o mofo/bolo não está, esteja perfeito. Não, não está. Mofos possuem partes aéreas (que dependendo do crescimento é possível ver a olho nu) e outros partes que ficam no substrato onde crescem que nem sempre são visíveis.

    Uma coisa é queijo produzido com fungos, cepas selecionadas e controladas. Outra coisa, é o queijo desenvolver outros tipos de fungos que não se sabe qual é e muito menos está controlado.

    E como eu disse, se o alimento não deveria estar mofado e está, para mim, ele está estragado.

    Fungos podem produzir substâncias que podem deixar pessoas susceptíveis doentes, além do próprio ser a causa. Pelo sim, pelo não. Escolho sempre o não. Particularmente, eu não colocaria em risco a saúde dos meus comensais e muito menos a minha.

  9. cecilia:

    oi vitor

    olha… muito discordo de ti sobre os mofos. é muito comum que uma “schmier” (como chamamos aqui no rs coisas tipo marmelade) mofe só onde está em contato com o ar e esteja perfeitamente boa embaixo. alguns queijos tambem… acho que, dependendo da composição da coisa, o mofo aparente não significa necessariamente que estátudo estragado.

    bjs!