Farinha de trigo, um ingrediente super corriqueiro e do dia a dia. Parece ser simples, né? Para fazer aquele bolo delícia ou um pão super fofinho.
Mas tem tanta coisa, mas tanta coisa por trás: é fascinante! (E confuso).
É simples, mas como se diz: dá para complicar.
O detalhe é que cada país classifica a farinha de trigo de uma maneira diferente e nem sempre elas batem umas com as outras. Alguns países usam o teor de cinzas, outros o refino (moagem) e alguns a mistura de vários fatores.
Sem falar nos tipos de trigo que influenciam diretamente as características que a farinha terá, logo, como será o seu uso também.
E essa mistura de classificações podem gerar algumas dúvidas e confusões quando olhamos receitas vindas fora ou escutamos sobre o tal teor de proteínas.
O objetivo do artigo não é dizer qual marca de farinha você deve usar, se você deve comer ou não e afins… Mas fornecer informações para que você faça a sua escolha, vamos lá!
O que é Farinha de trigo?
É o produto obtido pela moagem do grão de trigo (Triticum sp.). Vamos elaborar um pouco mais:
Farinha de Trigo: produto elaborado com grãos de trigo (Triticum aestivum L.) ou outras espécies de trigo do gênero Triticum , ou combinações por meio de trituração ou moagem e outras tecnologias ou processos.
Instrução Normativa 8/2005
A espécie Triticum aestivum também é chamada de trigo comum e existem mais de 10 espécies dentro do gênero Triticum. Sem contar as milhares de variedades (cultivares) da própria T. aestivum cada qual com suas características.
Outra espécie usada é Triticum durum, mas o seu principal uso é na fabricação de semolina (ou sêmola). E a maioria das legislações fazem uma separação entre o uso da T. aestivum e durum.
Os grãos de trigo podem ser classificados de diversas maneiras seja pela cor, estação de plantio e dureza. A dureza se refere a textura do endosperma do trigo (região do grão de trigo que apresenta o amido e as proteínas formadora de glúten) que depende da interação do amido e das proteínas e seus tipos. Dentro dos tipos de trigo, o T. durum é o mais duro.
- Trigo duro: exige mais força durante a moagem, grânulos de amidos quebram durante o processo o que resulta em maior quantidade de amido danificado. Durante a moagem, os primeiros pontos de fratura são na estrutura da parede celular, indicando que a ligação do conteúdo interno (amido e proteínas) é forte. Tem maior teor de proteínas e indicado para pães.
- Trigo mole: exige menos força durante a moagem, os grânulos de amido quebram em menor quantidade. O ponto de fratura é pelo conteúdo interno das células, indicando que a interação interna é fraca. Comparado com o duro, o teor de proteínas é menor e indicado para bolos e biscoitos.
- Trigo Durum: a variedade mais dura e que exige mais força, apesar de ter um alto teor de proteínas que formam o glúten, não é usado para pães em geral por causa da forte interação e não estar rapidamente disponível. Por isso, não é tão comum ter farinha (farinha mesmo) de trigo durum. Apesar de ser possível, o processo resultaria em uma quantidade alta de amido danificado. A moagem consegue quebrar o grânulo de amido, mas não a forte interação do amido com as proteínas.
É importante notar que dependendo da referência podem existir confusões em relação ao nome duro e durum. Tanto o trigo duro e mole são variedades e cultivares da espécie T. aestivum (e/ou outras espécies autorizadas), enquanto o durum é apenas para a T. durum (e variedades dentro da espécie).
A farinha de trigo integral indica o uso completo o grão de trigo limpo (tendo o endosperma e o farelo) podendo ter ou não o gérmen. Por conter praticamente o grão inteiro, logo, mais gorduras também: pode ficar rançosa mais rápida. Por isso pode custar mais caro, a perda potencial junto com lei da oferta-procura encarece o produto.
A composição básica da farinha de trigo é 65% amido, 12% proteínas, 14% umidade (água), 2% gorduras e o restante consiste em polissacarídeos não-amidos e componentes inorgânicos (sais minerais), pode ter variação se for a integral. A quantidade de calorias gira em torno de 350kcal (para a farinha de trigo branca) e 330kcal para a integral (a cada 100g).
Dentro das proteínas temos o famoso glúten: que é formado pelos grupos de proteínas gliadinas e gluteninas na presença de água e agitação (a sova e batimento). Apesar de ser uma fração pequena do que forma a farinha, o papel na textura, estrutura e umidade são enormes. Já falei sobre, leia mais: O que é glúten?
Você ajuda a manter o site e os vídeos no ar e temos recompensas bem bacanas, vem saber como!
A tal dita qualidade da farinha dependem de vários fatores desde o tipo de trigo usado até como foi feita a moagem. O que reflete na capacidade de absorção de água, força da farinha e qual o melhor uso para cada tipo de preparo.
Existem vários testes para fazer essa determinação dentro da indústria da farinha de trigo. Abaixo iremos comentar sobre alguns deles, é um pouco técnico. Tentei deixar o mais simples, porém são dados que tem pouca relação com o dia a dia do consumidor.
Alveógrafo (Força)
Uma análise que usa o equipamento chamado de Alveógrafo de Chopin que determinar a força da farinha e simula o processo de fermentação. Para quem já viu algo sobre farinha, ele que calcula o famoso índice W (W index) que, geralmente, é atrelado ao glúten.
Os parâmetros medidos são:
- P (tenacidade): é a pressão máxima necessária para expandir a massa. No gráfico é indicado pela altura máxima da curva.
- L (extensibilidade): demostra a capacidade da massa em se esticar até estourar, sendo um indicativo do volume do pão.
- P/L (equilíbrio da curva): é o equilíbrio entre P/L. Um guia genérico, para pães (farinhas balanceadas 0,50-1,20), bolos e biscoitos (farinhas extensíveis <0,49) e, massas alimentícias (tenaz >1,21).
- Index de elasticidade (Ie): compara a pressão depois de 200mL de ar foi injetado na massa com a pressão máxima (P).
- W (energia de deformação): indica a força ou trabalho de deformação da farinha. É a área formada pela curva dentro do gráfico.
O valor de W sozinho não indica muita coisa, pois depende dos outros fatores P e L. Você pode ter duas farinhas e ambas terem um W de 300. Mas uma tem um P maior e a outra um P menor, por exemplo.
Então, para para saber a força da farinha de maneira técnica e pontual: você precisa de um alveógrafo. Sem falar que cada empresa terá parâmetros para a sua formulação, ou seja, o que pode ser bom para uma não significa que será boa para outra.
A análise ajuda a determinar:
- Classificar o trigo de acordo com a sua força e determinar quais aplicações são as mais ideias.
- Melhorar as misturas (blends) de farinha no moinho para chegar nas características desejadas.
- Avaliar a conformidade da farinha.
- Ajustar o tempo de mistura e a hidratação.
- Decidir se é necessário usar melhoradores.
Teor de cinzas
Um dado que você verá ao longo do texto é esse tal teor de cinzas que é:
- O resíduo mineral que sobra depois da farinha ser incinerada (queimada) em uma mufla (é um forno que atinge altas temperaturas).
- E no caso do trigo, o teor de cinza varia de acordo com a quantidade de farelo e gérmen do grão de trigo permanece na farinha. Quanto mais cinza, mais farelo e gérmen.
É uma análise importante mais do ponto de vista industrial e/ou do moinho para ajudar a determinar se o processo de refino/moagem está sendo eficiente ou não. Quanto maior o teor de cinzas indica que mais partes do farelo e gérmen estão sendo processados juntos da farinha.
O valores podem variar dependendo de como foi realizado a análise (base úmida ou base seca), além da variedade do trigo e condições do plantio.
Em resumo:
- Mais cinzas: mais grãos integrais = maior número = farinha mais escura.
- Menos cinzas: menos grãos integrais = menor número = farinha mais branca.
Farinógrafo (Hidratação)
A capacidade de hidratação, ou melhor, absorção de água da farinha é um dado obtido por outra análise feita com o Farinógrafo. O que ajuda a determinar a qualidade da farinha.
Mede a resistência à deformação de uma mistura de farinha/água contra lâminas que batem a massa com velocidade e temperatura específica, o torque.
Os dados obtidos são:
- Absorção de água (%): a quantidade de água adicionada para que a curva do farinógrafo adquira a consistência padrão na linha de 500 unidades farinográficas. Parâmetro útil para ajustar a quantidade de água quando há mudança de farinha.
- Tempo de desenvolvimento da massa (TDM): intervalo entre a adição de água ao ponto de máxima consistência, imediatamente antes da primeira indicação de enfraquecimento. Na prática, é usado para ajustes no tempo de mistura. Farinhas mais fortes com mais proteínas tem um tempo de desenvolvimento maior que as farinhas fracas com o mesmo tamanho e distribuição de partículas.
- Estabilidade: a diferença de tempo entre o tempo de chegada da curva na linha de 500 UF e o tempo de partida quando a curva fica abaixo. É um indicativo da resistência da farinha quanto ao tratamento mecânico (sova, misturar), se misturar demais. Farinhas mais fortes geralmente são mais estáveis do que as fracas dentro do mesmo tipo de trigo.
- Índice de tolerância à mistura (ITM): diferença entre o topo da curva no seu ponto ótimo e cinco minutos depois que ele foi atingido. Indica a velocidade em que a estrutura do glúten se quebra depois de atingir o seu potencial máximo.
Os parâmetros da análise podem variar de acordo com:
- Absorção de água: teor de amido danificado, de proteínas formadoras de glúten, de hemicelulose, de fibra celulósica vinda do farelo, da distribuição granulométrica da farinha.
- Tempo de desenvolvimento da massa: conformação química de gluteninas, distribuição granulométrica da farinha, quantidade de hemicelulose.
- Estabilidade: conformação química de gluteninas, de fibra celulósica vinda do farelo
- Índice de Tolerância à Mistura: conformação química de gluteninas.
É saudável?
Não vou entrar na questão se faz mal, mas me limitarei em dizer que existem dois casos bem específicos que não é recomendado comer trigo e/ou farinha trigo: se a pessoa for celíaca (de verdade mesmo) e/ou alérgica para algum componente presente no trigo. E lembrando: a doença celíaca é uma doença autoimune e não alergia.
Quer saber mais sobre Glúten? Leia mais: O que é glúten?
Como calcular o teor de proteína
Antes de mais nada: é apenas uma informação genérica. Como assim?
Vamos calcular de maneira indireta usando a tabela nutricional que vem na embalagem. E precisamos lembrar: os valores na tabela é uma média de valores e feita por amostragem. Logo, variações ocorrem, afinal, o fabricante não vai trocar toda hora a embalagem.
Então, não se apegue tanto a esse valor. Ele ajuda a ter uma ideia? Sim. Mas sozinho não significa nada. E outro detalhe importante: é o teor de proteínas totais e não apenas só do glúten.
Esqueça a coluna %VD (valores diários), ela não será usada nesse cálculo.
Veja que a porção é de 50g de farinha de trigo e nessa quantidade a farinha tem 5g de proteínas totais, certo?
Então, 50g de farinha é o nosso 100% e queremos saber quanto esses 5g de proteínas representam em porcentagem.
A conta é uma regra de 3, então, multiplica cruzado e depois isolamos o X. E resolvendo as operações matemáticas chegamos ao valor de 10% de proteínas totais. Leia-se: a cada 100g de farinha de trigo, 10g são de proteínas totais.
Ou seja, todas as proteínas presentes na farinha de trigo: as formadoras de glúten e as não-formadoras de glúten.
Existe a análise de teor de glúten úmido e seco que consiste em formar o glúten na farinha e lavar a massa formada para remover os sólidos solúveis em água e o que sobra é o glúten. Se quiser saber como faz, recomendo ler Gluten Washing Tests.
Farinha de trigo no Brasil
No Brasil a classificação da farinha de trigo segue a Instrução Normativa 8/2005 do Ministério de Agricultura (MAPA), sendo: Tipo 1, Tipo 2 e Integral.
A definição da Instrução Normativa para farinha de trigo é específica para a espécie Triticum aestivum L.) ou outras espécies de trigo do gênero Triticum, exceto para as farinhas feitas com trigo da espécie Triticum durum Desf..
No caso da Semolina a definição é dada pela RDC 14/2000:
- Sêmola ou semolina de trigo: é o produto obtido a partir da espécie Triticum aestivum ou de outras espécies do gênero Triticum reconhecidas (exceto Triticum durum), através de processo de moagem do grão de trigo beneficiado, com teor de cinzas de 0,65% na base seca (máximo).
- Sêmola ou semolina de trigo duram: é o produto obtido a partir de Triticum durum Desf., através do processo de moagem do grão beneficiado, com teor de cinzas de 0,92% na base seca (máximo).
Um detalhe importante: a quantidade de proteínas na tabela deve ser vista com uma certa leveza. O teor dessa classificação é feito em base seca, ou seja, para chegar nesse valor a umidade é desconsiderada na quantidade analisada.
Como podem ver, levam em consideração dados que pouco dizem para nós – consumidores finais. Mas esses são os parâmetros do ponto de vista técnico e da legislação para uso Doméstico. Existe também para o Industrial, mas aqui para a gente não tem tanta importância.
Nossa farinha e trigo são importados! A produção nacional de trigo não é suficiente para atender o país, então, é necessários vir de fora. Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Trigo (Abitrigo) importamos trigo do Argentina, Estados Unidos, Paraguai e Uruguai
É ruim?
Existe um debate de que o trigo (e farinha) nacional é ruim que acaba respingando no consumidor comum (e mudando um pouco o sentido). Envolve questão de lobby de mercado, manejo sem padronização, incerteza de mercado e falta de incentivo.
Já para o consumidor essa ideia de ser ruim é no sentido de usar a farinha de trigo para fazer pão. Ela seria ruim por não ter um teor de proteína suficiente. Então, ruim por si não é. Por exemplo, você já fez bolo e torta e ficou tudo certo, não é? Mas que talvez não seja ideal para pão, é um outro conceito.
Traduzindo: use a farinha e veja o resultado. A receita ficou boa? Atingiu o resultado esperado? Então, ela é boa para você e o seu processo. O resultado não ficou como queria? Pode ser que a farinha não seja ideal para a receita e/ou o processo teve falhas.
Aditivos e melhoradores
Sim, podem ser adicionados e seguem a Resolução n.383, de 05 de agosto de 1999 de quais substâncias podem ser utilizadas. Nem todas as farinhas colocam e quando o fazem isso deve ser descrito na listagem de ingredientes.
- Peróxido de benzoíla: é o único agente branqueador autorizado no Brasil pela RDC 383/99. Às vezes, vemos chamadas sensacionalistas de farinha tem alvejante que brinca com a semântica da palavra. Farinha de trigo pode ter um tom amarelado devido às Xantofila (pigmentos dentro dos carotenoides). É possível branquear a farinha naturalmente com tempo e temperatura (maturação e envelhecimento) devido a ação do oxigênio.
- Agentes oxidantes: como o ácido ascórbico e azodicarbonamida auxiliam na formação de ligações dissulfeto (ligação entre enxofres) entre proteínas formadoras de glúten, na retenção de gás, mudança na consistência.
- Enzimas: a farinha possui naturalmente enzimas como a amilases (quebram amido) e proteases (quebram proteína), porém podem não estar em quantidade suficientes ou não apresentaram a atividade que o fabricante deseja. Então, é permitido a adição de amilases, proteases e lipoxigenase.
Em relação aos aditivos/melhoradores acima, já li listado em produtos voltados para o comércio como pré-misturas para produção de pães e bolos, e farinhas específicas. Para a farinha para o consumidor final, eu sei que existe, mas nunca vi para comprar. Não vou entrar no mérito se faz mal ou não, vou deixar de usar farinha? Não, né.
É proibido desde 2001 usar bromato de potássio e sódio na farinha de trigo pela Lei n.10.273 de 5 de setembro de 2001. E o de sódio não é listado na RDC 383/1999, logo, também não pode. Se você conhece alguém que usa, isso não desfaz a proibição e a pessoa está indo contra a lei, sem falar do enorme desvio de caráter, né?
A farinha brasileira é enriquecida obrigatoriamente com ferro e ácido fólico (vitamina B9) desde 2002 pela RDC 344/2002 e desde 2017 a exigência foi expandida para farinha de milho também pela RDC 150/2017.
A adição de ferro é uma maneira de combater a anemia ferropriva (anemia causada pela falta de ferro) e o ácido fólico para prevenir má formação neural do feto durante a gestação como a mielomeningocele.
Farinha de trigo nos Estados Unidos
Para quem tem o costume de olhar receitas americanas já teve ter visto alguns desses nomes: All-purpose, Bread flour e assim por diante.
Eu acreditava que essas classificações fossem oficiais do FDA (Food and Drug Administration, a Anvisa americana). Mas não são. São mais comerciais e de acordo com o que a indústria oferece. Por exemplo, a Cake flour foi inventada em 1894 pela empresa Swans Down.
O FDA (21CFR137.105) possui uma definição geral para farinha de trigo, assim como a MAPA:
é o alimento preparado por trituração e peneirado de limpo de trigo, exceto de trigo durum e trigo vermelho durum.
- Pode ser adicionado: para compensar qualquer deficiência natural de enzimas, pode ser usado trigo maltado, farinha de trigo maltada, farinha de cevada maltada ou qualquer combinação de dois ou mais. Mas a quantidade de farinha de cevada maltada usada não é superior a 0,75%.
- Podem ser utilizadas preparações inofensivas de alfa-amilase obtidas de Aspergillus oryzae, isoladamente ou em um veículo seguro e adequado.
- Quando testado para granulação: pelo menos 98% da farinha passa por uma peneira com trama com aberturas não maiores que as da trama de arame designado 212 [micro] m (N.º 70).
- A porcentagem de cinzas contida nela, calculada em base seca, não exceda a soma de 1/20 da porcentagem de proteína contida nela, calculada em base seca, mais 0,35. (gira em torno de 0,4-2%)
- Seu teor de umidade não é superior a 15%.
- Pode conter ácido ascórbico em uma quantidade que não exceda 200 partes por milhão como condicionador de massa. Não pode ser usado para adulteração para ocultar baixa qualidade ou defeito.
Em resumo: a farinha pode ter mistura de outras farinhas para adequações, pode ser enriquecida, tem parâmetro de granulometria, cinzas entre 0,4-2%, umidade menor que 15%, e pode adicionar ácido ascórbico como condicionador.
Os tipos de farinha de trigo que existem no mercado americano:
- All-Purpose Flour (farinha para todos os usos): é um misto de trigo duro e mole, também pode ser chamada de plain flour (farinha simples). Teor de proteínas gira em torno de 8-11% e é a mais comum. Pode ser branqueada (bleached) ou não branqueada (unbleached), e enriquecida. Como o nome diz, é para uso geral desde bolo até pães.
- Bread Flour (farinha de pão): feita com trigo duro com alto teor de proteína e possui mais proteína que a All-purpose que fica em torno de 12-14%. Geralmente, não branqueada e pode conter ácido ascórbico (vitamina C) como melhorador que atua no volume e textura. Como o nome sugere, ideal para pães e receitas fermentadas.
- Cake Flour (farinha de bolo): textura super fina e feita com trigo mole com alto teor de amido. Teor de proteínas em torno de 8-10%, normalmente é branqueada (com gás cloro) que deixa a farinha ligeiramente ácida, massas de bolos ficam prontas mais rápidas e a distribuição de gordura é mais equilibrada influenciando a textura. Como o nome indica: ideal para bolos e receitas em que a textura deve ser macia e quebradiça.
- Pastry Flour (farinha de confeitaria): feita com trigo mole e ficaria entre a All-purpose e a Cake flour no seu uso e teor de proteínas 9-10%. Tem menos amido que a Cake, deixa a textura macia e quebradiça.
- Self-Rising flour (farinha com fermento): farinha de baixo teor de proteínas com sal, agentes de crescimento (fermento ou bicarbonato de sódio) com substâncias de caráter ácido para reagirem e produzirem o gás carbônico. Em linhas gerais, seria uma All-purpose com fermento.
- Whole wheat flour (farinha integral): a granulometria deve seguir a definição “não menos que 90% passa por uma peneira de 2,36 mm (nº 8) e não menos de 50% passa por uma peneira de 850 µm (nº 20)”, umidade máxima de 15%, pode ser adicionada de ácido ascórbico e enzimas, ter apresentação branqueada e não branqueada. Teor de proteínas fica em torno dos 13% e usualmente feita com trigo branco duro da primavera.
As opções americanas são mais claras para que serve cada tipo de farinha, ficam mais fácil escolher qual usar. E algumas marcas informam o teor de proteínas na embalagem sem a necessidade de ficar analisando a tabela nutricional.
Farinha de trigo na Itália
A classificação italiana é complicada e simples ao mesmo tempo. A lei utiliza vários fatores também, sendo uma delas o teor de cinzas e de proteínas.
Porém, muitas fontes também indicam o tipo de refinamento (moagem e peneiragem para remoção de partes do grão) do trigo para ter os cinco níveis: 00, 0, 1, 2 e integral. E dizem fazer parte da lei italiana. Mas a Lei 580/1967 e o decreto mais recente DPR 187/2001 do MIPAAF (Ministero delle politiche agricole alimentari e forestali) não fazem menção a isso que em italiano é grado di abburattamento.
A lei italiana define farinha de trigo como:
Farinha de trigo mole (farina di grano tenero) é o nome a ser usado para o produto obtido pela trituração/moagem e então peneirado do trigo mole e que teve as impurezas e corpos estranhos removidos.
Farinha integral de farinha integral (farina integrale di grano tenero) é o nome a ser usado no produto obtido pela moagem direta de trigo mole e que teve as impurezas e corpos estranhos removidos.
DPR 187/2001
Existe também a definição da farinha feita com trigo durum (grano duro, Triticum durum) que é usado para produzir sêmola de grano durum (semola di grano duro), semolato de grano durum (semolato di grano duro), sêmola integral de grano durum (semola integrale di grano duro).
A lei não fala sobre da farinha de Manitoba (farina di Manitoba) que é mais um nome comercial para designar a farinha feita com trigo vindo da província de Manitoba no Canadá. Pode ser encontrada em todas as classificações da lei italiana lista para trigo mole.
O grado di abburattamento faz relação com a redução do grão de trigo após o processo e que compõe a farinha. Sendo 00 a mais fina e a integral a mais grossa, em linhas gerais. Para deixar um pouco mais confuso, alguns produtores não veem o abburattamento como um refinamento e que seriam coisas diferentes.
Revirei o site do ministério italiano, mas não achei nada sobre o abburattamento. Posso ter deixado alguma passar por não saber italiano per se, de qualquer maneira, vou deixar aqui a classificação que li várias vezes sobre isso:
- Tipo 00: sofreu uma redução de 50%, é a mais refinada e vem do endosperma;
- Tipo 0: sofreu uma redução de 72%;
- Tipo 1: sofreu uma redução de 80%;
- Tipo 2: sofreu uma redução de 85%;
- Integral: contém todas as partes internas e externas do grão moído.
No final das contas, o detalhe é: tudo acaba importando. Por causa da nomenclatura, muitas pessoas acham que a farinha 00 é fraca em relação ao teor de proteínas. O que não é necessariamente verdade, é possível encontrar farinhas italianas 00 com teor de 12% de proteínas, por exemplo. (Veja: The Pizza Lab: On Flour Types, Foams, and Dough)
Farinha de trigo na França
A farinha francesa utiliza o teor de cinzas para fazer a classificação e a Alemanha segue sistema bem parecido.
Os parâmetros para os tipos de farinha (45, 55, 65, 80, 110, 150) foram definidos pelo Decreto n.63-720 de 1963. E os valores se referem a quantidade de cinzas em 100g de farinha.
E até meados de 2016, as farinhas tipo 45 e 55 precisam seguir os padrões abaixo. Mas foi revogado pelo Decreto 2016-884.
- Tipo 45: W/Chopin acima de 220; G/Chopin acima de 19; Proteína acima de 11%.
- Tipo 55: W/Chopin acima de 220; G/Chopin acima de 19; Proteína acima de 11,5%.
- W e G de Chopin são parâmetros de qualidade utilizados na indústria para testar as farinhas, e estão ligados ao teor de glúten. Um W alto indica que a farinha é forte.
Alguns textos citam o Decreto n.93-1074 como tendo requisitos para a baguete francesa. Não necessariamente, mas define os critérios para que pães possam usar nomes específicos:
- Pain maison (pão da casa): ou equivalente somente poderá ser usado se o pão tiver sido totalmente amassado, trabalhado e cozido no local de venda ao consumidor final. No entanto, essa denominação também pode ser usada quando o pão é vendido fora do local para o consumidor final pelo profissional que garante que as operações de amassar, modelar e cozinhar ocorram no mesmo local.
- Pain de tradition française (pão de tradição francesa), Pain traditionnel français (pão tradicional francês), Pain traditionnel de France (pão tradicional da França): ou uma combinação desses termos somente poderão ser vendidos se não tiverem sido congelados em nenhum momento durante sua fabricação, sem aditivos e são produzidos a partir de uma massa com as seguintes características:
- Ser constituído exclusivamente por uma mistura de farinhas de trigo para panificação, água potável e sal de cozinha;
- A fermentar com fermento de pão (Saccharomyces cerevisiae) e levain,(…), ou apenas um desses agentes para a fermentação alcoólica do pão;
- Opcionalmente, conter em relação ao peso total da farinha utilizada, uma proporção máxima de: 2% de farinha de fèves, 0,5% de farinha de soja e/ou 0,3% de farinha de malte de trigo.
E lendo blogs franceses foi possível notar a mesma coisa que acontece com a farinha italiana. Os nomes tipo 00 e tipo 45, por exemplo, são uma categoria de farinhas. Podem existir vários tipos de farinhas 00 e 45 que variam o teor de proteína.
Muito Longo; Não Li
Te peguei no pulo, né? Recomendo que leia! Mas vamos lá!
O quadro abaixo é uma tentativa de encaixar os diversos tipos de farinhas de acordo com as legislações de cada país. Mas como foi possível ler no texto, sem sempre é possível. Então, veja o quadro com uma certa leveza e não como algo definitivo.
- As farinhas são diferentes por causa da legislação e do uso dos consumidores de cada país. Por isso farinha tipo 00 só importada e geralmente, italiana. E assim por diante.
- As características de cada farinha dependem do trigo usado, como as condições de plantio e o processo de moagem (e refino).
- Para as receitas mais comuns do Brasil de bolos, tortas e cookies (nossos ou americanos) qualquer farinha nacional vai te dar um resultado bom. Fez, comeu e achou gostoso? Tá ótimo. São receitas que não exigem uma estrutura de glúten forte, mas sim delicada, o que boa parte das farinhas nacionais entregam.
- Para pães com estilo americano e europeu, realmente, vão ficar um pouco diferente mesmo por diferenças nas características da farinha. Mas não significa que a farinha seja ruim. Sem falar que a técnica correta conta e muito. Tente achar farinha com teor de proteína maior.
- Vem saber mais sobre fermentação e técnica com o pão sem sova.
- Qual a melhor farinha? Teste na sua receita, veja como ficou o resultado. Ficou como você queria? Tá gostoso?
- Sim, toda farinha tem cinzas. Mas não o que você está pensando! Do ponto de vista técnico, teor de cinzas se refere ao conteúdo inorgânico e mineral da farinha que vem do trigo. É possível relacionar com o nível de refino/moagem: quando mais farelo e gérmen, maior será o teor de cinzas.
- Farinha pode apresentar aditivos e melhoradores, mas quando são adicionados devem estar listados nos ingredientes.
- Tanto a farinha de trigo e de milho são enriquecidas com ferro e ácido fólico (vitamina B9) para a prevenção da anemia ferropriva e má formação neural do feto durante a gestação, respectivamente.
- Quer usar farinha integral? Não existe fórmula mágica pronta, afinal, são farinhas com propriedades diferentes. Faça a receita como indicado algumas vezes para saber como deve ficar e depois vá testando a troca. O Food52 tem um post bem bacana sobre: Whole-Wheat vs. White Flour: What’s the Difference?
- Trocar de farinha nem sempre o resultado será o mesmo, mas há casos que adaptações são necessárias. A Tessa do Handle The Heat fez um comparativo entre Cake flour, All-purpose e Cake flour no truque.
- É possível adicionar mais glúten na farinha com o uso de glúten vital ou farinha de glúten que são vendidos em casa de produtos naturais. Para saber a quantidade você precisa usar Eliminação de Gauss para ter certeza ou usar a calculadora do Flour Math.
- O famoso índice W é uma grandeza calculada pelo equipamento Alveógrafo e que geralmente é associado a força (e glúten) da farinha. Mas sozinho não diz muita coisa, precisa do P (tenacidade) e L (extensibilidade). E essa análise é na indústria, na embalagem não vem.
- Tem como calcular o teor de proteínas totais da farinha, mostrei no corpo do texto vai lá ler. E também é possível saber o teor de glúten tem pelo método de lavagem do glúten, mas sinceramente, para uso doméstico tem pouco significado.
- Se você não tem nenhuma condição de saúde como alergia e doença celíaca: Glúten não é o vilão como gostam de pintar.
Referências
- ABIP. Associação brasileira da industria de panificação e confeitaria. Tecnologia de panificação e confeitaria, 2011.
- ABITRIGO. Associação Brasileira das Indústrias de Trigo. Importação de trigo 2020.
- ABITRIGO. Associação Brasileira das Indústrias de Trigo. Importação de farinha de trigo 2020.
- ATWELL, W.A.; FINNIE, S. Wheat flour: american association of cereal chemists international. Elsevier, 2016
- BAKERPEDIA, 2020.
- BERTON, Benjamin et al. Measurement of hydration capacity of wheat flour: influence of composition and physical characteristics, Powder Technology, v.128, issues 2–3, 2002, p.326-331.
- BRASIL. Lei n. 10.273 de 5 de setembro de 2001. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Seção 1, Eletrônico, 6 set. 2001, p. 15.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n. 383 de 05 de agosto de 1999.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n.14 de 21 de fevereiro de 2000.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n.344 de 13 de dezembro de 2002.
- BRASIL, ANVISA. Agência nacional de vigilância sanitária. Guia de boas práticas nutricionais: pão francês, 2002.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n.60 de 05 de setembro de 2007.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Informe Técnico nº. 39, de 7 de janeiro de 2009.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n.53 de 07 de outubro de 2014.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n.54 de 07 de outubro de 2014.
- BRASIL, ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n.150 de 13 de abril de 2017.
- BRASIL, MAPA. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Instrução Normativa n.1 27 jan. 1999. Norma de Identidade e Qualidade do Trigo. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 jan. 1999, Seção 1, n. 20, p. 3.
- BRASIL, MAPA. Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa n. 8 de 3 jun. 2005. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade da Farinha de Trigo. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 jun. 2005, Seção 1, n. 105, p. 91.
- Centro Informazione Farine. La normativa italiana.
- COSTA, M.D.G.D. et al. Qualidade tecnológica de grãos e farinhas de trigo nacionais e importados. Ciênc Tecnol Aliment 2008;28:220-5.
- CUNHA, G. R. da. Trigo no Brasil: história e tecnologia de produção. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2001.
- EMBRAPA. Empresa brasileira de pesquisa agropecuária. Trigo.
- ESTADOS UNIDOS. U.S. Departament of agriculture. Wheat Sector at a Glance.
- ESTADOS UNIDOS. FDA, Food and Drug Administration. Code of Federal Regulations Title 2: 137 Cereal Flours And Related Products.
- FIGONI, P.I. How baking works: exploring the fundamentals of baking science. John Wiley & Sons, 2010.
- FRANÇA. LégiFrance. Décret n° 63-720 du 13 juillet 1963 relatif à la composition des farines de blé, de seigle et de méteil.
- FRANÇA. LégiFrance. Décret n°93-1074 du 13 septembre 1993 pris pour l’application de la loi du 1er août 1905 en ce qui concerne certaines catégories de pains.
- FRANÇA. LégiFrance. Décret n° 2016-884 du 29 juin 2016 relatif à la partie réglementaire du code de la consommation.
- GUTKOSKI, Luiz Carlos et al. Efeito do período de maturação de grãos nas propriedades físicas e reológicas de trigo. Ciênc. Tecnol. Aliment. [online]. 2008, vol.28, n.4 [cited 2020-07-02], pp.888-894.
- ITALIA. Legge 4 luglio 1967, n. 580. Disciplina per la lavorazione e commercio dei cereali, degli sfarinati, del pane e delle paste alimentari.
- ITALIA. MIPAAF, Ministero delle politiche agricole alimentari e forestali. Regolamento per la revisione della normativa sulla produzione e commercializzazione di sfarinati e paste alimentari, a norma dell’articolo 50 della legge 22 febbraio 1994, n. 146.
- PAULY, A. et. al. Wheat (Triticum aestivum L. and T. turgidum L. ssp. durum ) Kernel Hardness: II. Implications for End‐Product Quality and Role of Puroindolines Therein. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, 12: 427-438.
- RAM, S. Cereals: processing and nutritional quality. New India Publishing Agency, 2009.
- SKYLAR, B. Technology of cereals, pulses and oilseeds. Scientific e-Resources, 2019.
- SNA. Sociedade Nacional de Agricultura. Brasil já produz o melhor trigo do mundo, mas precisa ampliar sua produção, 2017.
- The European flour millers. Wheat Flour standards in European Union, Wheat, Flour, Climatic Changes and New Trend, 2013.
- VACLAVIK, Vickie A.; CHRISTIAN, Elizabeth W. Essentials of Food Science. Springer Science & Business Media, 2007.
- ZILIĆ, Slađana et al. Characterization of proteins from grain of different bread and durum wheat genotypes. International journal of molecular sciences vol. 12,9 (2011): 5878-94.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer os apoiadores PratoFunders: com este apoio consigo me dedicar para escrever textos mais completos e detalhados como este. Saiba como você pode fazer parte: Apoie o PratoFundo!
Muito legal Aprendi muito lendo isso achei incrivel
Olá, parabéns pelo artigo, excelente! Uma dúvida: Por favor, qual seria o tipo ideal de farinha para a massa do pierogui? Obrigada!
Não tenho ideia, não tenho costume de fazer pierogi. Mas por textura, diria que farinhas com mais proteínas.
Amei as informações sobre as farinhas. Muito proveitoso. Assim fica mais fácil pra mim. Obrigada. Mas tenho uma curiosidade , achei algumas receitas que a farinha usada é a multiuso. Tem como essa farinha ser feita em casa?
Se estiver falando a “all-purpose” americana, a farinha brasileira normal já é assim.
Que post incrível e super detalhado! Das farinhas importadas eu só experimentei uma italiana 00 para fazer macarrão. Achei mais fácil de sovar do que quando faço com a farinha nacional, mas no sabor e textura depois de cozida não senti diferença.
Parabéns por compartilhar estas informações sobre este universo! Muitas coisas não fazia idéia.
Excelente trabalho
Gratidão
Oiiii parabéns pelo trabalho. Excelente post!!!
Obrigada.
sou engenheira de alimentos , amo a panificação e amei o seu site!!! profissional de mão cheia *-*
Que post maravilhoso. Parabéns pelo trabalho!
Pô, depois desse post tive até que apadrinhar com uma singela contribuição.
Mais uma vez parabéns pelo excelente trabalho.
:)
Como sempre, um artigo sensacional. Teve coisas que não tinha a mínima noção. Obrigada por compartilhar tantos saberes conosco!
Sensacional, agora sim eu quase entendi, rs! Salvei nos favoritos como fonte de consulta! Parabéns e obrigada!!!!
Obrigado pelo trabalho apresentado. Irei relê-lo para fixar melhor as ideias e absorver melhor o conteúdo. Agradeço-lhe, de coração, por compartilhar seus conhecimentos com o público em geral. Grande abraço!
Que conteúdo incrível, Vítor. Muito obrigado por sua dedicação em compartilhar seus conhecimentos e pesquisas.